quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Olhos

7:20. Atrasada, novidade nenhuma. Abri o portão do meu apartamento e sai correndo, sempre uma luta pra chegar no horário. Corri um pouquinho e logo cansei, fui caminhando pelo resto do trajeto. Todo dia o mesmo caminho, o mesmo horário, mesma preocupação. Resolvi reparar no resto. Passava todo dia pela mesma caminhonete branca que estava sempre na mesma vaga, tinha decorado até a placa dela. Dava bom dia pro mesmo inspetor de outro colégio. Lá estava o mesmo flanelinha de sempre, chamando os carros e ajudando os motoristas a estacionar. Via os alunos passando por mim, e encarava-os nos olhos, sem querer ser rude, apenas tentando enxergar algo mais. Algo que eu pudesse ver, que pudesse ser dito apenas por um olhar. E na verdade, descobri que os olhos nos dizem coisas que muitas vezes palavras não sabem explicar, que o rosto esconde numa feição contrária ao que sente. Vi que de manhã cedo são raras as pessoas com bom humor ou um sorriso no rosto, que te cumprimentam na rua. Eu, inclusive, não sou uma delas. Acho-me até meio grossa por passar por tanta gente e não, simplesmente, sorrir.
Mas então, passei por uma menina do meu tamanho que me olhou e logo desviou o olhar. Um homem uns vinte anos mais velho, de terno e gravata com uma maleta na mão, que, ao meu olhar, só vi irritação, e eu mesma fui obrigada a desviar. Um menino um pouco mais velho que eu, que me olhou e igualou meu olhar, ficou lá me encarando e sendo mais corajoso do que todos os outros. Posso dizer que ali se formou um breve começo de sorriso. Mas ele foi embora. E não só nesse dia, passei a fazer isso em todos os outros. Antes da aula, depois, à tarde, no shopping, nas festas. Com certeza os olhos podem transparecer muita coisa, como dizem que os olhos são o espelho da alma, e só posso concordar. Tento enxergar nas pessoas o que elas escondem dentro de si.
Ta, quanta mentira. Não sobre as pessoas, ou o que diz seus olhos. Mas sobre meu motivo de encará-los. Eu procuro, desesperadamente, achar alguém que seja compatível comigo. Algum olhar que, ao encontrar-se com o meu, cause aquela faísca, aquela sensação boa. Não busco a mesma cor, porque os seus não tem cor definida em minha opinião, são um mistério. E na verdade, é esse mistério que eu busco. Essa barreira, esses sentimentos em códigos, tão difíceis de decifrar. Procuro olhos que sejam raros e que não transpareçam o que se passa por dentro. Sei que busco o contrário daquilo que todos querem, mas é isso que me satisfaz. Foram esses olhos, que ao me olharem, ao rolarem por meu corpo inteiro, me encheram de dúvidas. E eu não gosto da certeza, gosto das perguntas indecifráveis que correm por minha mente, gosto do fato de você não respondê-las e eu não saber quando é mentira sua. Gosto de correr o risco de você estar oco por dentro enquanto se diz preenchido. Gosto de chegar bem perto dos seus olhos, olhá-los com toda minha vontade, e não enxergar absolutamente nada. Conseguir ver apenas o que você quer que eu veja, apenas o que você permite que fique fora da barreira e eu possa ver. O resto, meu caro, pode ser sofrimento tanto quanto paixão, que nunca vou saber. E é esse mistério que me puxa sempre de volta a você. Porque é triste tentar gostar de outra pessoa e conseguir enxergar sua alma. Triste pra mim. Acostumei-me com seus olhos, suas brincadeiras, seu jeito que não da de entender, tão intocável, seguro e estupidamente grosseiro. Não queria que fosse de outra forma. Não queria que fosse outra pessoa. Mas agora que não tenho mais seus olhos, procuro no olhar de outros aquilo que encontrava unicamente no seu. Busco severamente, diariamente, desesperadamente alguém que deixe as mesmas dúvidas. Não encontro. Continuo então, contra minha vontade, tendo que ler o que se passa internamente em cada um e ver o que todos poderiam tentar me proporcionar; enquanto só você, na verdade, mesmo sem me mostrar, conseguia me fazer sentir.

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