terça-feira, 9 de agosto de 2011

Treinada Para Matar

Naquele dia o espelho, definitivamente, não estava querendo me ajudar. As olheiras fortemente marcadas, os lábios rachados, o cabelo opaco e com pontas duplas, a pele seca, os quilinhos a mais, o esmalte pela metade nas unhas, as espinhas que resolveram aparecer esta manhã no meu rosto... Quem não tem um dia como esse? Um dia infeliz, de merda, como esse? Afinal, ganhar na mega-sena que é bom, nada. Ser amada do mesmo jeito que amamos, impossível. Ser a única em qualquer situação: chance zero. Não seria justo no quesito “péssimo dia” que eu seria a única, não é? Espero que não, pelo menos.
Briguei com meus pais antes de sair para a escola. Com meus irmãos no caminho para a escola. Com meus professores na escola. Com meus amigos depois da escola. E, finalmente, com meu namorado, que graças a deus não tem nada a ver com a maldita escola.
Não consegui fazer nem um simples exercício de matemática. Nem a redação. Nem desenhos no canto da folha. Estava tudo complicado demais. Tudo chato demais.
Saí de casa pra ver se me acalmava, porque eu estava brava. Não sei com quem, nem por que, mas só a cara da minha empregada já me dava enjôo. Aí, olha que bom, tinha um pombo desgraçado na minha frente na calçada; eu não vou desviar do pombo! Então eu o chutei. É, isso ai, chutei mesmo.
Ta, na verdade não chutei, não acertei o bichinho, mas enfim. Finge que eu chutei, porque só de lembrar da velhinha rindo de mim errando o pombo, dá vontade de voltar lá e chutar ele de verdade. Não que eu tenha coragem de fazer isso com ele. Mas, nesses dias... Sei que as mulheres me entendem.
Depois foi a vez do senhor na fila do sorvete me irritar. Ele estava pagando com moedinhas. De cinco centavos. CINCO CENTAVOS. Contando uma por uma! Não agüentei os dez (dois) minutos que tive que esperar, passei na frente, paguei o meu sorvete e o dele. O mal educado nem me agradeceu. Ficou lá, me olhando, com os olhos esbugalhados. Eu não fazia de idéia de que estava tão feia assim. Ou minha cara de irritação deve ter assustado ele, mas tanto faz.
Com o sorvete na mão, pronta pra devorar até o guardanapo, começou a cólica. Sabe? Cólica. Cólica. Cólica. Cólica. Cólica. É SÉRIO, DÓI MUITO. Joguei o sorvete fora, fui pra casa chorar no colo da minha mãe e pedir uma bolsa de água quente.
Claro que eu me esqueci que havíamos brigado de manhã. E eu, orgulhosa, não aceitei ajuda. Fiquei umas duas horas achando que ia morrer, embaixo dos cobertores. Até que eu dormi.
Acordei me sentindo completamente diferente do dia anterior. Cabelo, unhas, lábios, pele, rosto e humor renovados! E justo naquele dia maravilhoso ninguém quis falar comigo. Ingratos, eu pensei. Aí fui ao banheiro e vi. Desgraça. Devia ter percebido antes.
Não mexa (discorde, fique no caminho, brigue, ignore, fale) com uma mulher na TPM.