sábado, 24 de maio de 2014

Não foi amor à primeira vista

Quando o vi pela primeira vez, bem, faltou ar. Admito. O casaco amarrado em volta do pescoço e o cabelo irritantemente um pouco maior do que deveria e o sorriso impecável de quem só queria ser gentil. Eu passei a noite toda pensando nele e entrei em casa gritando pros meus pais: conheci o amor da minha vida!
Não foi amor à primeira vista. Certamente, não. Foram várias coisas; pensamentos e sentimentos e sensações estranhas. O tempo passava rápido e tudo ia acontecendo meio torto, meio errado, mas sempre fazendo sentido. Sempre me fazendo sentir. Mas não foi amor à segunda vista.
Quando ele me beijou pela primeira vez, mesmo eu estando relutante para tentar parecer difícil, explodiu algo dentro de mim que me fazia querer chorar e gritar e abrir os braços pra me entregar. Não era amor. Era tudo: o fato de se encaixar tão bem, de acontecer com tanta facilidade, de parecer tão certo. Eu só queria continuar ali, pra sempre; apesar disso, saí correndo.
Ele me ligou, veio atrás, me beijou pela segunda vez. No carro, em cima da mesa, no colo dele contra a parede. Eu respondi reciprocamente da forma mais intensa que consegui.  Só não me entreguei porque, bem, ainda não era amor. Não foi amor nem à terceira vista.
Eu liguei pra ele, corri atrás, senti a vontade mais absurda do mundo de me entregar ao desconhecido que não despertava amor, mas despertava todas as melhores sensações que eu conseguia imaginar. Eu queria ligar pra ele todo dia, então eu ligava, sem mistério, sem jogo, sem bagunça. A bagunça vinha quando a gente se encontrava.
Ele virou, literalmente, meu mundo de cabeça pra baixo. Tudo isso sem amor. Nem à quarta vista. Nem quinta, sexta, sétima. Eu olhava pra ele e meu peito explodia cada vez. E cada vez mais. E cada vez melhor. Eu não sentia necessidade de o amar. Eu nem queria.
Esquentou, esfriei, queimou, eu fugi, eu voltei, eu me entreguei. Toda. E não era amor. Nem meu nem dele. Não era amor, mas pouco nos importava, era algo muito mais divertido e atraente e elegante. Era novo e totalmente sincero. Nossos corpos se falavam como se nossas bocas não conseguissem expressar tudo. E nem tinha o que expressar porque não era amor.
Eu errei. Eu menti, e depois voltei e chorei e implorei, sem ele nunca saber que havia mentido. Compensei meu erro, culpada, apesar de não ser amor. Apesar de não ser namoro. Apesar de não ser nada além de entretenimento e tesão e distração. Talvez paixão...
Ele me aceitou sem saber meu erro, me aceitou depois de saber do meu erro e continuou me aceitando eternamente - sem ter amor. Nem na vigésima vez foi amor. Era leve e espontâneo, um procurava o outro sem pesar as consequências, sem pensar duas vezes, sem esperar o outro ligar primeiro. Dava vontade, batia saudade, eu ligava. A gente ligava, no começo, duas ou três vezes por semana. Passou a ser todos os dias. E depois todas as horas de cada dia. Eu o procurava, e cozinhava pra ele, o mimava, ríamos até a barriga doer e depois nos entregávamos um ao outro pela terceira ou quarta vez no mesmo dia. Incansavelmente.
Mas não era amor. Pela centésima vez, não era amor.
E não ligava se ele saía todo dia, se via outras mulheres, se encontrava outros olhos por aí. Eu gostava de tê-lo sem preocupação nenhuma, sem compromisso, e era sempre tudo recíproco. Intenso. Lindo.
Um dia eu acordei do seu lado, rindo, recebendo um beijo na testa com a cabeça apoiada em seu peito. Me assustei. O enxotei. Não era amor, de jeito nenhum.
Mas ele nunca rejeitava ou deixava cair na caixa postal uma ligação minha, respondia minhas mensagens, matava minha vontade a qualquer hora do dia. Ele me ligava e deixava de ligar pra qualquer outra pessoa e ignorava seu celular quando estava comigo; aos poucos percebi que ele ignorava também quando não estava comigo, menos quando era eu ligando. Eu sorria.
E quando os outros não nos importavam mais, e a gente chegava ao êxito, e você queria dormir comigo ao invés de me levar até a porta... Bem, acho que foi aí que passou a ser amor. Não foi à primeira vista, nem à segunda, e na verdade nem foi com os olhos. A gente se amou porque se sentia, se precisava, se queria. A gente se amou porque ninguém encaixava melhor no meu molde, porque ninguém te tirava mais do sério do que eu, porque nenhum beijo na vida se encaixou na primeira vez tão bem quanto o nosso. A gente se amava porque não precisava se amar, não havia necessidade. Nos amávamos pelos simples fato de que estarmos juntos era melhor do que separados e que não precisamos de um compromisso pra isso. Diferente de tudo anteriormente, o amor aconteceu antes, no meio e depois de nós, sem sabermos quando ele chegou ao certo, tendo a certeza de que ele não vai embora. Ele aconteceu porque o amor, quando tem que acontecer, acontece. Sem pressão, sem força, sem pressa. Apenas porque precisa acontecer.

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