quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Quase dois

Você foi a melhor parte de um ano desesperadamente assustador. Você foi o primeiro de, espero, não muitos, mas não foi o último. Você foi um amor indecente, verídico, impensado, corrompido. Você foi a alma de projetos e ideias e sonhos, você foi a essência de cheiros e gostos e moldes. Você, amor, foi pesadelo e depois o ombro pra reconfortar. Foi o peito que me acolheu nas noites frias e o pé que esquentou o meu. Você foi a barba mal feita que arranhou meu rosto e meu corpo nos momentos que eram nossos, e que hoje não são mais. Você... Você foi dor e foi cura, foi ferida e cicatrização. Você era a última coisa que eu via na sexta à noite e a primeira que eu enxergava quando abria os olhos sábado de manhã. Nunca quis nada além de você, porque você sempre bastou. Desse teu jeito torto e egoísta e dulcíssimo. Sempre tão honesto e desonesto e incompreensível. Você foi grande parte dos meus problemas e a maioria das minhas soluções. Foi a paciência, a compreensão, o afago, a manha. Você foi o certo e o errado, minha eterna contradição. Você foi meu melhor amigo. O melhor amigo que era namorado e marido e amante e encaixe. Você foi meses de briga, e de mais amor ainda. Meses de medo de te perder, de sorrisos sem motivo nenhum. Você é saudade. Você é choro, calúnia, desgraça. É pesadelo e não mais reconforto. É sonho que faz questão de me visitar toda noite, é uma dor no peito sem explicação. Você, hoje, é um vento que passa e me dá frio e arrepio. Você é um estranho que me olha e não me reconhece, não me cumprimenta, não me oferece mais sorrisos. Você é mágoa e lembranças e memórias vívidas. É inúmeras fotos, sensações, calafrios. Você é um amor acabado, mas inacabado, daqueles que a gente tem que jogar tudo fora porque cada coisa lembra você, e tem que se esforçar ao máximo porque é difícil esquecer. Você é o amor que a gente se convence de que está morto, mas que soca a nossa cara quando aparece sem querer no mesmo restaurante que você, revira a barriga, te tira a fome e te faz ir embora. Você é pingo de mistura de sentimentos e memórias que fica guardado sempre compactado dentro do peito, esquecido, mas não some de jeito nenhum. Eu sou o pingo que não sumo de jeito nenhum pra você. Entendo como deve ser difícil seguir em frente vendo tudo o que eu estou fazendo, observando fotos novas minhas, reatando o relacionamento com os velhos sentimentos que só sabem incomodar. Não entendo, no entanto, a tua ignorância. A tua fuga, a tua covardia. Não entendo porque pra ser feliz não pode mais falar comigo. Se a infantilidade é tanta, só tenho a falar: você foi e você é criança. Você foi quase dois anos de uma absurda alegria, de choros intermináveis, de discussões calorosas e recepções marcantes. Você foi a minha paz, a minha maturidade, o meu encontro comigo mesma. Foi meu piadista, meu intelectual, minha vida. Minha vontade de levantar durante a semana pra ela passar voando pra te encontrar. Você foi coisa ruim, mas muito mais coisa boa. Foi amor de madrugada, em cada canto da cidade. Foi amor a qualquer hora, por qualquer coisa. Você é a melhor das minhas lembranças, a melhor parte do meu passado, o ponto mais interessante das minhas histórias. Meu pior equívoco e meu maior acerto, meu mais valioso investimento. Você era feliz e não sabia, tinha tudo e não via. Eu era feliz e não sabia, nunca soube, até hoje não entendo direito, mas eu era a pessoa mais feliz do mundo. Você me fez a pessoa mais feliz do mundo. Você foi felicidade, cumplicidade, êxtase. Você é saudade. Você foi amor.