domingo, 31 de julho de 2016

Tem gente que fica

Não sei se um dia vou ser capaz de superar todo o amor que senti. O amor de uma vida inteira compactado em alguns anos. Amor de loucura, festas, brigas, encaixes, experiências. Muitas experiências. Com certeza nunca vou conseguir superar a sensação de te encontrar tantas vezes batendo de surpresa na porta da minha casa. A barriga revirando, o coração acelerado, o coquetel de sentimentos bons. Minha cara de desacreditada e a sua de felicidade costumavam formar o casal mais simpático do universo. Era muito certo.
Era tão certo que vai ser difícil deixar pra lá as lembranças que tenho no meu quarto, na casa de praia, até mesmo as que ficaram nos meus cachorros. Tudo nessa cidade lembra você, em cada canto, em cada cheiro, em cada amigo. Você ficou nos óculos que mais gosto de usar, na almofada que durmo agarrada toda noite, na calcinha rosa de renda que te arrancava o sorriso mais espontâneo que já vi. Você ficou na minha família, nas conversas, na lua cheia que costumávamos admirar.
Tive duas semanas pra fazer minhas malas. Deveria levar só o necessário. Não consegui fazer. Elas ficavam lá, abertas, esperando preenchimento, enquanto tudo que eu depositava nelas era medo. Medo do novo, do desconhecido, das experiências que, dessa vez, não seriam ao seu lado. Deu muito, muito medo.
Só as arrumei um dia antes de partir. Pensei tanto no que levar que acabei levando pouca coisa. Não queria que você se mudasse comigo, nem mesmo na almofada, nem na calcinha, muito menos naquele seu moletom cinza que já era praticamente uma extensão minha de tanto que eu usava. Não levei. Não trouxe você em nenhum sentido.
Uma semana antes de me mudar, resolvi te causar o mesmo reboliço na barriga que você me causava. Apareci na sua porta sem avisar, levando comigo só meu coração. E apesar de todas as dúvidas que eu também tinha e de todos os medos que me corroíam, eu fui lá tentar. Fui lá te oferecer, uma última vez, o amor que - a gente sabe - ninguém mais vai poder dar. E seria ótimo se só amor bastasse. Seria perfeito se as almas se alimentassem só disso. Porque então viveríamos eternamente satisfeitos. Mas o amor é combustível apenas. E todo meu combustível deixei com você, porque também não queria levar mais comigo. Então lavei minhas mãos, ergui a cabeça e aceitei a mudança. A mudança que veio em tantos sentidos diferentes que faria qualquer um se perder. Mas eu me encontrei. E me encontrei sem você.
Não te trouxe na mala, não te quis mais na cabeça e deixei todo meu amor esparramado pela tua cidade. Mas algumas coisas sempre ficam, independente de onde estivermos. A lua que brilha aqui, nesse lugar novo, é a mesma que brilha aí, da janela do teu quarto. No fundo, espero que a gente nunca perca essa mania de a admirar. Mesmo que longe e separados, mesmo deixando o outro ir embora, tem coisa que fica. Tem gente que fica. Tem lembrança que fica. Mas existem amores que se vão.