segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Minha noite


Veio me buscar em casa. Entrou, ficou jogando conversa fora com meus pais, que o adoravam. Já passava das dez, eu estava atrasada como sempre. Cabelo molhado, só metade da maquiagem pronta, não achava o outro par do sapato nem o cinto. Ouvia aquela risada doce vindo do andar de baixo e era obrigada a parar dois segundos enquanto ela me invadia e deliciava. Fazia arrepiar a nuca só de pensar no seu toque. Apressava-me, então, para ficar pronta logo e ir ao seu encontro. Dei mais uma olhada no espelho e gostei do que vi. Desci as escadas contando os degraus de dois em dois e meu olhar encontrou o teu. Sem querer, deixei escapar um sorriso, inevitável.
No carro, fiquei insistindo pra saber aonde íamos. Você simplesmente soltou uma risada, achando graça da minha curiosidade, e disse que era surpresa. Fiquei em silêncio enquanto aquele rap que você tanto gosta tocava baixinho. Virei-me no banco e te encarei, analisando seu rosto, sua roupa. Sempre tão arrumado, tão cheiroso. Aquele perfume que me fazia morrer de vontade de encostar meu rosto no seu pescoço e deixar-me ser ninada enquanto o sentia misturando-se ao meu, mas me controlei. Você me espiou com o cantinho dos olhos, enquanto dirigia velozmente sem precauções. Parou na frente de um apartamento desconhecido, me fez esperar 5 minutos no carro, e voltou com duas taças e uma garrafa de champagne. Sem dizer uma palavra, continuou dirigindo enquanto minha aflição aumentava. Parou em um lugar escuro, que pelo barulho logo vi que havia mar ali perto. Saiu, deu a volta no carro, parou na minha frente e me serviu de champagne. Deu dois passos pra trás, pediu para eu tirar o salto alto e acompanhar-lo. Mais à frente, meus olhos pairaram na reflexão da luz da lua na água. Tão bela, tão hipnotizante. Caminhamos em silêncio, enquanto nossos braços roçavam-se. Eu queria chegar mais perto e segurar sua mão, queria olhar nos seus olhos naquela noite escura e ser iluminada só pelo seu brilho, mas continuei andando. Encaramos o céu por alguns segundos naquele mesmo silêncio que só tornava tudo muito mais misterioso. Depois de falar alguma besteira e sentir meu corpo arrepiar-se por causa da sua leve risada, olhei fixamente pra você. Aproveitei pra memorizar bem aquela cena enquanto o álcool não fazia efeito. Perguntei-me se realmente te conhecia. Se por trás daqueles olhos de cor indefinida existia a mesma pessoa que se mostrava ali do meu lado. Confiante, forte, inatingível. Queria saber se essa barreira toda, se esse poder todo não era fachada. Se não era um modo de defesa por algum motivo desconhecido por mim, porque você não deixava ninguém chegar perto. E do seu lado me sentia pequena e carente, como se eu buscasse por seu abraço, sua atenção, sua proteção. Via-te como um homem, que me passava uma força indescritível, e por isso, além de tudo, me sentia mulher. Você me fez mulher.
Quando meu olhar pressionou demais sua pele, você virou-se pra mim e deixou aquela faísca entre nossos olhos acontecer, a mesma que fazia minha barriga revirar. Como se pudesse ler meus pensamentos, sorriu brevemente enquanto inclinava-se na minha direção. Quanto mais perto chegava, mais rápido meu coração batia, explodia dentro de mim. Eu queria fechar os olhos, mas temia que quando os abrisse não te encontrasse mais. Mas logo não conseguia mais pensar, muito menos respirar. Centímetros separavam meu rosto do teu, conseguia sentir seu hálito bom por causa do halls verde, via sua boca ainda meio sorridente. De repente você volta ao seu lugar, toma um longo gole de champagne e começa a caminhar de volta para o lugar de onde viemos. Eu fiquei ali parada por mais um tempo, não sei exatamente quanto, encarando a praia. Daria tudo pra não ter saído de casa hoje, para não ter passado por isso. Meus olhos começaram a embaçar, odiava o fato de ser tão fraca e me sentir pior ainda quando você se afastava de mim. Então você chamou pelo meu nome, soltou sua risada mais extrovertida, arrancando-me de meus pensamentos. Sua voz me dava força de novo, me puxava. Caminhei na sua direção cabisbaixa, sem saber ao certo o que falar, o que fazer. Você segurou meu queixo, levantou meu rosto e deixou a faísca correr solta de novo, enquanto eu não sentia mais a ponta dos meus dedos de tanto frio, já que o calorzinho que você causava era tão breve e momentâneo. Como se, novamente, você pudesse ler meus pensamentos, puxou minha mão direita e deu-lhe um beijo, logo depois entrelaçando nossos dedos que se encaixavam tão bem. Queria saber por que o tempo corria tanto em noites assim. Queria saber por que nós não podíamos deitar na areia e ficar olhando o céu, que, naquela noite, tinha a maior e mais bela lua que eu já havia visto na minha vida - sem estrelas, sem nuvens. Mas você, com seus planinhos e organizações, nunca fez minha vontade. E daí que era dia dos namorados? E daí que eu tinha passado os melhores minutos naquela praia e você fugiu de mim? Você não se importava, na verdade adorava a briga que ocorria dentro de mim, sem conseguir obter respostas pra tantas perguntas, adorava ser o único que explicaria minhas dúvidas.
Despediu-se com seus lábios na minha testa enquanto, inconscientemente, eu trancava a respiração. Sorriu, o sorriso mais sexy e irresistível, enquanto entregava-me na porta de casa, ligava o carro e ia embora. E, mesmo sem preencher nenhuma das minhas expectativas ou vontades, sem fazer absolutamente nada do que eu queria ou esperava, você fez daquela a melhor noite da minha vida. E me deixava lá, como sempre, querendo mais.

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