quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Encarei-o por alguns segundos. Aqueles centímetros que nos separavam me agoniavam, queria puxá-lo pra mais perto. Não, ele não gosta de muita aproximação. Refleti comigo mesma quantas vezes aquelas discussões nos deixariam nesse silêncio insuportável. Quantas discussões ainda viriam, até onde eu aguentaria, até onde ele aguentaria. Desde que havíamos entrado naquele carro ele não havia olhado pra mim, não se deu ao trabalho de nem ao menos conferir se eu tinha colocado o cinto, como sempre fazia. Isso me preocupava, eu o conhecia, ele não era assim. Na verdade, nem sei se o conhecia direito, aquele lado dele ainda não havia visto.
Perdi-me nos meus pensamentos e nem percebi que o olhava fixamente. Ele virou a cabeça e me lançou o olhar mais frio que aqueles olhos poderiam mostrar. Meu coração apertou-se e eu sabia que aquela noite não terminaria bem, aquilo tudo não era normal.
Tá nervosa? Ele perguntou. Fiz uma expressão de confusão e tenho que certeza que ele notou, e apontou pra minha perna que balançava freneticamente. Não, não estou. Só quero chegar logo em casa e tomar um banho, estou com calor. Eu respondi por educação, porque a pergunta dele havia sido no tom mais sínico possível. Ele apenas sorriu com o que eu disse, não me olhando novamente. Eu perguntei se podia mudar de música, ele me ignorou. Perguntei se queria tomar um sorvete antes de chegar em casa, ele me ignorou. As lágrimas começaram a brotar involuntariamente, eu as limpava com a manga do casaco quando elas insistiam em pular pela borda dos olhos. Aquele sentimento estranho começou a se transformar em raiva, eu não havia feito nada pra receber aquele tipo de tratamento. Estávamos chegando à minha casa, reconheci o caminho. Pensava em tudo o que ia lhe falar no momento em que parasse o carro, ia ser sincera, falar que não aguentava mais aquilo, que não queria mais nada. Tentei não imaginar as consequências, os dias sem ele, o vazio que iria ficar. Respirei fundo. E de novo. E mais uma vez. Ele percebeu que eu estava alterada, mas dessa vez quem não olhava era eu. Chegamos na minha rua, ele parou exatamente na mesma vaga que parava toda vez que ia me buscar. Tirei o cinto lentamente, virei-me para ele e ia começar a falar, quando ele de surpresa puxou meu rosto com as mãos e me deu um beijo demorado, espontâneo. Deu aquele calorzinho gostoso, tranquilo, saudável no peito. Coloquei uma mão na sua nuca, apertando-o contra mim, mas ele logo recuou e tirou minha mão. Esqueci que ele não gosta de muita aproximação. Chegou perto e sussurrou na minha orelha: eu te amo. Com a outra mão abriu a porta do carro e eu saí. Entrei no meu quarto, sentei na cama, ainda com a mesma expressão. Não sabia se ria, se chorava, se sentia raiva ou adoração. Mas sabia que adorava aquelas surpresas dele, aquelas oscilações de humor. Amava aquele sorriso, aquele beijo. Sabia, acima de tudo, que não viveria sem ele. Eu o amava.

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