sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Estranho idealizado

Mais uma vez, o escuro do meu quarto parece doer mais os olhos do que a própria luz. Ele faz funcionar um cantinho do cérebro que fica esquecido durante o dia. O escuro me lembra melancolia. O escuro me traz melancolia. E eu, melancólica, encaro desesperada o teto que parece breu, apagado e descolorido. Minha vontade é de sair dali, de não lembrar o que eu sei que está por vir; mas braços e pernas criam desejos próprios e não movem um centímetro. Lágrimas involuntárias correm e escorrem e molham meu corpo rígido. Eu não te amo mais. Eu nunca amei. É tudo invenção dessa parte da minha mente que insiste em criar coisas. Você é uma coisa criada por ela. O que eu sinto foi criado por ela. Parte suja e indesejada. Parte de mim que insiste em aparecer nessas noites mais escuras e sombrias, aproveitando-se da carência, da solidão, do coração ferido. Igualzinho a você, exatamente como você faz. Criação imunda da minha cabeça. Você não passa disso. Um infeliz que suga a alma dos outros, a felicidade. Sugou a minha e não se deu por satisfeito ainda. Continua com suas visitas noturnas, na madrugada. Seja numa ligação ou num pensamento. Você está sempre lá. Meus olhos focam tempo demais o preto do meu quarto, a ponto de criar formas e rostos e dores. Você é dor, é vício, é ilusão. Você é nojo, repulsa e desilusão. Você dói, você machuca. É a parte mais maldosa da minha cabeça, o pedaço em carne viva que nunca se recupera. É a doença sem cura e a vida sem realmente viver. Você é meu lado ruim, meu lado perverso e nojento. Acha que tem poder, que tem domínio. Mas você não tem nada. Porque você, sem mim, não é absolutamente nada. O menino que eu conheci, era realmente apenas um menino. Depois de tanto tempo, continuava um menino. Não crescia, não mudava. A magia negra que me rondava nunca foi sua. Minha mente insana fez você assim. Fez uma imagem sua, uma esperança, uma personagem de você. E eu me apaixonei por ela. Pelo sujo nojento safado ordinário vigarista moleque pervertido assanhado cachorro extremista sem vergonha imaturo selvagem repugnante babaca e vagabundo que eu idealizei em você. Não foi por você. Porque, sabe, se eu te colocasse numa multidão de homens, perderia-te. Você se misturaria à todos os outros, por ser igual, por ser descartável e de caráter tão confundível ao de qualquer outro homem. Você, comigo, na minha cabeça, é muito. É meu sonho, meu pesadelo, minha contradição. É meu mar profundo - e escuro - onde pretendo me afogar. É vida, é morte, é uma linha tênue. Mas, sem mim? Sem mim você não é nada.

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